sábado, 23 de outubro de 2010

Carta para o Chico Buarque


José Danon

Chico, você foi, é e será sempre meu herói. Pelo que você foi pelo que
você é e pelo que creio que continuará sendo. Por isso mesmo, ao ver
você declarar que vai votar na Dilma “por falta de opção”, tomei a
liberdade de lhe apresentar o que, na opinião do seu mais devoto e
incondicional admirador, pode ser uma opção.

Eu também votei no Lula contra o Collor. Tanto pelo que representava o
Lula como pelo que representava o Collor. Eu também acreditava no
Lula. E até aprendi várias coisas com ele, como citar ditos da mãe.
Minha mãe costumava lembrar a piada do bêbado que contava como se
tinha machucado tanto. Cambaleante, ele explicava: “Eu vi dois touros
e duas árvores, os que eram e os que não eram. Corri e subi na árvore
que não era aí veio o touro que era e me pegou.” Acho que nós votamos
no Lula que não era aí veio o Lula que era e nos pegou.

Chico, meu mestre, acho que nós, na nossa idade, fizemos a nossa
parte. Se a fizemos bem feita ou mal feita, já é uma outra história.
Quando a fizemos, acreditávamos que era a correta. Mas desconfio que
nossa geração não foi tão bem-sucedida, afinal. Menos em função dos
valores que temos defendido e mais em razão dos resultados que temos
obtido. Creio que hoje nossa principal função será a de disseminar a
mensagem adequada aos jovens que vão gerenciar o mundo a partir de
agora. Eles que façam mais e melhor do que fizemos, principalmente
porque o que deixamos para eles não foi grande coisa. Deixamos um
governo que tem o cinismo de olimpicamente perdoar os “companheiros
que erraram” quando a corrupção é descoberta.

Desculpe, senhor, acho que não entendi. Como é mesmo? Erraram? Ora,
Chico. O erro é uma falha acidental, involuntária, uma tentativa
frustrada ou malsucedida de acertar. Podemos dizer que errou o
Parreira na estratégia de jogo, que erramos nós ao votarmos no Lula,
mas não que tenham errado os zésdirceus, os marcosvalérios, os
genoinos, dudas, gushikens, waldomiros, delúbios, paloccis, okamottos,
adalbertos das cuecas, lulinhas, beneditasdasilva, burattis,
professoresluizinhos, silvinhos, joãopaulocunhas, berzoinis,
hamiltonlacerdas, lorenzettis, bargas, expeditovelosos, vedoins,
freuds e mais uma centena de exemplares dessa espécie tão abundante,
desafortunadamente tão preservada do risco de extinção por seu
tratador. Esses não erraram. Cometeram crimes. Não são desatentos ou
equivocados. São criminosos. Não merecem carinho e consolo, merecem
cadeia.

Obviamente, não perguntarei se você se lembra da ditadura militar. Mas
perguntarei se você não tem uma sensação de déjà vu nos rompantes de
nosso presidente, na prepotência dos companheiros, na irritação com a
imprensa quando a notícia não é a favor. Não é exagero, pergunte ao
Larry Rother do New York Times, que, a propósito, não havia publicado
nenhuma mentira. Nem mesmo o Bush, com sua peculiar e texana soberba,
tem ousado ameaçar jornalistas por publicarem o que quer que seja.
Pergunte ao Michael Moore. E olhe que, no caso do Bush, fazem mais que
simples e despretensiosas alusões aos seus hábitos ou preferências
alcoólicas no happy hour do expediente.

Mas devo concordar plenamente com o Lula ao menos numa questão em
especial: quando acusa a elite de ameaçá-lo, ele tem razão. Explica o
Aurélio Buarque de Hollanda, seu tio, que elite, do francês élite,
significa “o que há de melhor em uma sociedade, minoria prestigiada,
constituída pelos indivíduos mais aptos”. Poxa! Na mosca. Ele sabe que
seus inimigos são as pessoas do povo mais informadas, com capacidade
de análise, com condições de avaliar a eficiência e honestidade de
suas ações. E não seria a primeira vez que essa mesma elite faz esse
serviço. Essa elite lutou pela independência do Brasil, pela
República, pelo fim da ditadura, pelas diretas-já, pela defenestração
do Collor e até mesmo para tirar o Lula das grades da ditadura em
1980, onde passou 31 dias. Mas ela é a inimiga de hoje. E eu acho que
é justamente aí que nós entramos.

Nós, que neste país tivemos o privilégio de aprender a ler, de comer
diariamente, de ter pais dispostos a se sacrificar para que pudéssemos
ser capazes de pensar com independência, como é próprio das elites - o
que, a propósito, não considero uma ofensa -, não deveríamos deixar
como herança para os mais jovens presentes de grego como Lula, Chávez,
Evo Morales, Fidel - herói do Lula, que fuzila os insatisfeitos que
tentam desesperadamente escapar de sua “democracia”. Nossa herança
deveria ser a experiência que acumulamos como justo castigo por
admitirmos passivamente ser governados pelo Lula, pelo Chávez, pelo
Evo e pelo Fidel, juntamente com a sabedoria de poder fazer dessa
experiência um antídoto para esse globalizado veneno. Nossa melhor
herança será o sinal que deixaremos para quem vem depois, um claro
sinal de que permanentemente apoiaremos a ética e a honestidade e
repudiaremos o contrário disto. Da mesma forma que elegemos o bom,
destronamos o ruim, mesmo que o bom e o ruim sejam representados pela
mesma pessoa em tempos distintos.

Assim como o maior mal que a inflação causa é o da supressão da
referência dos parâmetros do valor material das coisas, o maior mal
que a impunidade causa é o da perda de referência dos parâmetros de
justiça social. Aceitar passivamente a livre ação do desonesto é ser
cúmplice do bandido, condenando a vítima a pagar pelo malfeito. Temos
opção. A opção é destronar o ruim. Se o oposto será bom, veremos
depois. Se o oposto tampouco servir, também o destronaremos. A nossa
tolerância zero contra a sacanagem evitará que as passagens
importantes de nossa História, nesse sanatório geral, terminem por
desbotarem na memória de nossas novas gerações.

Aí, sim, Chico, acho que cada paralelepípedo da velha cidade, no dia 3
de outubro, vai se arrepiar.

Seu admirador número 1,

Zé Danon

José Danon é economista e
consultor de empresas

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