quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Intervenção multidisciplinar ao paciente pediátrico e sua família

FONTE: http://psiquecienciaevida.uol.com.br/ESPS/Edicoes/59/artigo191368-1.asp

Cabe ao psicólogo hospitalar especializado em Pediatria cuidar 
das fantasias e angústias das crianças e de seus cuidadores

Por Denise Rolim Leal de Medeiros e Fernanda Rizzo di Lione


 
As unidades de internação pediátrica e de terapia intensiva pediátrica (UTIP) são locais onde se pratica
Medicina de Excelência em pacientes muito especiais. Com os avanços tecnológicos, os diagnósticos são
cada vez mais precisos e os tratamentos cada vez mais eficazes. Apesar disso, internações em ambientes
pediátricos são sempre angustiantes e estressantes tanto para as famílias como para as crianças.
Não entendemos como parte do ciclo vital e temos dificuldade em ver crianças ficando doentes,
sendo internadas, passando pelos procedimentos e, até, morrendo. Para os pais, há um misto de
esperança e medo. Esperança, pois sabem que o hospital é o local mais bem preparado para atender
os seus filhos; e medo, pois sabem os riscos inerentes a uma internação hospitalar.
Apenas recentemente foi dada importância ao estresse gerado por uma internação hospitalar,
tanto para os pacientes como às suas famílias. Por ‘família’ entendemos as pessoas importantes
afetivamente para as crianças, independentemente da existência de vínculos sanguíneos.
Trabalhar em Pediatria significa atender a criança e a sua “família”.
Está havendo uma mudança na visão do atendimento, levando a um cuidado maior com a questão
da humanização. O espaço físico vem sendo adaptado, com a presença de sofás ou poltronas para
os acompanhantes, decoração mais informal e infantil, presença de sala de brinquedo e televisores
nos quartos.
Cada membro da equipe acaba por particularizar, individualizar e adaptar seus utensílios e
procedimentos para esta faixa etária de pacientes. Neste sentido, há um cuidado com as cores dos
uniformes, em especial com o uso do jaleco branco que sabemos de antemão o quanto assusta as crianças.
Caso algum membro da equipe perceba que a participação da criança não esteja ocorrendo de forma
adequada, é solicitada avaliação da equipe de psicólogos para cuidar da criança e/ou família e facilitar
a interação da equipe com essa criança em específico. Cabe ao psicólogo hospitalar especializado em
Pediatria cuidar das fantasias e angústias das crianças e seus cuidadores. Para isso, é preciso primeiro
avaliar a demanda da criança e sua família e, em seguida, ajustar a metodologia a essa demanda.
Concomitantemente, trabalhamos junto com os demais membros da equipe no acerto a essas
necessidades e na disponibilidade em atendê-las.
Sabemos a importância do vínculo terapêutico na intervenção de toda a equipe de cuidados em geral,
e em específico, a psicológica. Todo trabalho psicológico com a criança começa pela formação deste
vínculo responsável por possibilitar o contato com a criança e sua família e consequentemente a
efetividade da ação psicológica.
"Está havendo uma mudança na visão do atendimento, que leva a um
cuidado maior com a questão da humanização"
Na prática diária da equipe da Psicologia, trabalhamos com as demandas específicas de cada criança e
família; ou seja, podemos atender só a criança e conversar com a família sobre como conduzir o processo;
podemos atender a criança e um membro da família junto ou, ainda, atender só a família e, através dela,
trabalhar as angústias da criança e dos adultos responsáveis. Esses modelos também são flexíveis
e uma mesma criança pode num dia ser atendida sozinha pela psicóloga e, no outro, o atendimento
ser junto com o seu cuidador principal, dependendo da sua necessidade.

Sucesso terapêutico
Com crianças que estão na fase do raciocínio concreto, os profissionais utilizam histórias para explicar os motivos da internação e alguns procedimentos. Os bonecos são ótimos laboratórios onde as crianças fazem primeiro neles o que será feito com elas
Todos estes profissionais devem adequar sua linguagem para que a criança entenda o procedimento a ser realizado, o que deve acontecer independentemente de sua faixa etária. Com crianças que estão na fase do raciocínio concreto, utilizamos de histórias para explicar os motivos da internação e alguns procedimentos. Os bonecos (da própria criança ou do hospital) são ótimos laboratórios onde as crianças fazem primeiro neles o que será feito com elas. A forma como as explicações são passadas aos familiares também é muito importante. As informações sobre a doença e os procedimentos devem ser claras e dadas quantas vezes forem necessárias. Assim, os pais ficam mais tranquilos e confiantes na equipe, conseguindo transmitir tranquilidade para a criança.
Ainda com a intenção de favorecer a interação da criança e seus cuidadores com a equipe do hospital e o ambiente hospitalar, as tarefas cotidianas (troca de fraldas, oferecer dietas e dar banho) devem ser realizadas com auxílio dos cuidadores, sempre que possível, assistidos pela equipe de enfermagem. Desta forma, também tentamos diminuir o distanciamento da realidade hospitalar com a vivida em casa.
A equipe de nutrição respeita, na medida do possível, os horários e gostos pessoais da criança, adaptando a dieta-padrão fornecida pelo hospital e aumentando a chance da criança criar mais um forte vínculo com a equipe do hospital.
Os procedimentos de rotina da enfermagem, assim como os atendimentos fisioterapêuticos devem ser realizados de forma mais tranquila possível, muitas vezes
utilizando-se de música e brincadeiras para distrair e desviar a atenção da criança do
procedimento que está sendo realizado.
Pais e cuidadores
Como vimos, os pais ou cuidadores principais são parte do foco da equipe que atua
na Pediatria. Assim, parte essencial do atendimento de todos os profissionais é a atenção destinada aos
acompanhantes. Em diversos momentos, estes se encontram apreensivos, desestruturados e inseguros
em relação ao tratamento dado aos seus filhos, não colaborando com a equipe, e por vezes, dificultando a execução de
procedimentos necessários por considerarem que estes irão trazer apenas sofrimento para seus filhos.
Em alguns casos, em especial quando as internações acabam se prolongando ou quando a criança não
responde adequadamente ao tratamento, os pais acabam por questionar os procedimentos e toda equipe,
apegando-se a pequenos fatos para nutrir esperanças e, assim, ignoram ou se recusam a aceitar os cuidados
e informações dadas pelos profissionais que estão diariamente envolvidos no cuidado de seus filhos.
Este é outro momento em que chamamos a equipe da Psicologia. Cuidar das expectativas e frustrações dos
pais é parte do nosso trabalho e cabe ao psicólogo trabalhar com as impotências geradas pelo processo de
adoecimento de um filho.
Trabalhar em Pediatria exige do psicólogo e de todos os membros da equipe uma leitura ampla que englobe
o atendimento às necessidades da criança e da sua “família”.

Forma lúdica
A psicóloga Alessandra Brunoro Motta realizou a pesquisa Brincar no hospital: estratégia de enfrentamento da hospitalização infantil, que investigou como as crianças voluntárias da pesquisa definiam o brincar. Verificou-se que 67,8% delas o fizeram a partir de sua função lúdica, considerando as consequências de divertimento, alegria e prazer: “(...) eu acho que brincar é uma coisa divertida. A gente brinca para se distrair, para se alegrar, quando está mais triste, mais para baixo. Eu acho que brincar é isso” (F, 12 anos).
A importância da interação com a equipe do hospital

É sabido que os pequenos pacientes vivenciam uma situação extremamente estressante quando são internados: se encontram em ambiente diferente do domiciliar, sem a companhia constante dos familiares, já que em muitos hospitais não é permitida a presença de acompanhantes em período integral (apesar do Estatuto da Criança e do Adolescente no artigo 12 dizer o contrário). O ambiente, muitas vezes, apresenta ruídos e estímulos inadequados em excesso, passam por procedimentos muitas vezes dolorosos, além da presença de sondas, catéteres e tubos. Neste contexto, as crianças podem sentir dor e desconforto, suas brincadeiras são limitadas e sua movimentação é contida. Com o intuito de minimizar esse impacto, solicitamos aos cuidadores responsáveis que tragam brinquedos, fotografias e objetos que a criança goste para participar deste momento.

Denise Rolim Leal de Medeiros é fisiotera
Fpeuta da UTI Pediátrica do Serviço de Reabilitação do Hospital Sírio Libanês.

Fernanda Rizzo di Lione é coordenadora da Unidade de Psicologia Hospitalar do Serviço de Reabilitação do Hospital Sírio Libanês e psicóloga clínica existencial.

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